Gamificação da aprendizagem: um novo paradigma/9 MAIO, 2019 /Lider magazine



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Uma licenciatura já não vai ser suficiente para enfrentar os desafios da Indústria 4.0. A quarta revolução industrial assenta na articulação dos desenvolvimentos observados na área das tecnologias de informação e comunicação, com os métodos de produção industrial. Internet das Coisas, Inteligência Artificial, machine learning, ou realidade aumentada, começaram já a integrar os processos industriais. Por detrás desta designação – Indústria 4.0, materializada numa panóplia de tecnologias a funcionar de forma integrada, ligando o espaço virtual ao mundo físico – está, na verdade, um processo de profunda transformação da forma como pensamos, aprendemos, concebemos, produzimos, distribuímos e utilizamos os produtos e serviços, potenciados pelo desenvolvimento e disponibilização, a preços cada vez mais competitivos, de uma nova geração de tecnologias digitais.

As profundas implicações a nível tecnológico, económico e social alteram profundamente o tempo e o modo como aprendemos, trabalhamos e competimos. A aprendizagem terá uma componente tecnológica mais acentuada e as relações pedagógicas mudam acentuadamente. Colocam-se novas exigências em relação ao patamar de qualificações e competências. Surgem novas profissões que exigem novas competências e saberes e tornam indispensável dispor de fortes capacidades de comunicação, colaboração, pensamento crítico e criatividade, entre outras (WWF, janeiro 2017).

Relevamos alguns dados na Europa: (i) sete em cada dez trabalhadores europeus precisam de ter competências digitais; (ii) um em cada três não tem nenhum conhecimento na área e metade das pessoas em atividades pouco qualificadas não trabalha com tecnologia; (iii) estima-se que 9% do emprego no mundo desenvolvido esteja prestes a tornar-se automatizado; (iv) um em cada quatro postos de trabalho transita para o mundo digital, numa lógica de obter cada vez mais produtividade; (v) no entanto, quatro em cada dez empresas dizem não conseguir encontrar trabalhadores com as competências necessárias.

Mudar mentalidades: mudar a atitude de liderar

É, por isso, obrigatório investir na aprendizagem ao longo da vida, sem curricula nem objetivos estabelecidos pela Escola, mas com percursos definidos por cada cidadão conforme os skills e competências necessários nas novas funções que irão sendo criadas. Mas, estão os sistemas de educação e formação ao longo da vida (contínua) em condições de responder aos desafios e necessidades em matéria de qualificações e competências? Não estão, como não estavam há 17 anos para o e-learning. Falta agir sobre os decisores e agentes do conhecimento e liderar com visão e ambição. A necessidade de renovação do portefólio de qualificações e competências face a novas formas de trabalho e a relações mais estreitas entre empresas e consumidores é premente e vai ser sistémica. O ambiente digital é a resposta e tem de ser construído em torno de uma convocatória coletiva para a colaboração na oferta de conteúdo tornado acessível e aberto para os nossos cidadãos que queiram estar sempre a aprender.

Centrar a educação/formação no aluno/formando equacionando os diferentes ritmos de aprendizagem, afigura-se não só necessário como desejável e possível com a utilização adequada das tecnologias digitais. “Aprender a aprender” é a postura recomendável a todos os colaboradores, pois essa vai ser uma constante ao longo da vida. De igual modo, a personalização do ensino vai ser uma palavra-chave no futuro, contemplando igualmente os segmentos mais resistentes à aprendizagem, em que vias alternativas terão de ser equacionadas. Porventura, um dos maiores desafios para os sistemas de educação/formação vai ser o de construir programas de educação/formação incorporando um novo mix de skills (social skills + tech skills), abordando os dois em simultâneo. Por isto, tanto insistimos em ALV – aprendizagem ao longo da vida e abandonamos a educação/formação de adultos.

Ganhar o campeonato exige muito mais do que vontade e uma boa academia

Quando se fala da necessidade de aprendizagem constante e contínua, a enorme quantidade de informação e de formação disponível à qual podemos aceder facilmente em qualquer local, conforme necessitamos e segundo as nossas preferências e as possibilidades de comunicação constante através das redes sociais, fóruns ou comunidades virtuais, explicam em parte porque é que o ensino e a formação tradicional em sala são cada vez menos motivadores e gratificantes. Claramente, para motivar e comprometer os cidadãos com a sua aprendizagem, é necessário mudar e definir novos modelos para aquisição de conhecimentos e competências. A gamificação da aprendizagem pode ser um novo paradigma que vem dar resposta a essas necessidades. Há outras formas e processos (colaborativa – Siemens, 2009, por MOOCs, por exemplo), mas aqui é deste que tratamos. Subsiste um enorme desafio para os nossos decisores em políticas públicas. Aceitar qualificações que provenham destes formatos informais de aprendizagem e integrá-los nas cadernetas de competências. Valorizar as pessoas é essencial para que elas aceitem e colaborem no desiderato nacional de cada um aprender melhor e mais rápido do que os seus pares europeus. Nas empresas e nas organizações, contudo, nada impede que se adotem, e privilegiem até, estas formas de aprender melhor, para ganhar competência.

A gamificação como ferramenta, não como panaceia

A gamificação, isto é, a utilização de elementos de jogos em contextos que não são de jogo, surge com a constatação de que os jogos geram motivação e engagement de tal forma intensos que se ambiciona conseguir ter esse impacto noutros contextos. O número de pessoas que jogam, a média de horas semanais passadas a jogar e o valor gasto em videojogos, dão uma boa medida da elevada motivação e engagement que os videojogos provocam. Para citar apenas um exemplo, os dados da Entertainment Software Association referentes aos EUA, mostram que em 2016 dois terços das famílias americanas tinham pelo menos um elemento que jogou videojogos durante, no mínimo, três horas por semana. E o consumo em videojogos atingiu o impressionante valor de 23,5 biliões de dólares!

A razão do tremendo impacto dos jogos é o facto de proporcionarem aos jogadores experiências que divertem e geram entusiasmo, surpresa, excitação, satisfação, promovendo a sua motivação e engagement. É este poder que se quer levar para outros contextos através da gamificação. Em particular, com a gamificação dos ambientes de aprendizagem pretende-se tirar partido dos elementos dos jogos para motivar os aprendentes, envolvendo-os e comprometendo-os com a sua aprendizagem de uma forma que os faça sentir competentes, bem-sucedidos e valorizados.

Para tal, num ambiente de aprendizagem gamificado devem dar-se possibilidades de escolha aos aprendentes e permitir que definam os seus objetivos e percursos de aprendizagem; criando desafios, missões, níveis, feedback constante. Deste modo, os aprendentes podem testar os seus conhecimentos e capacidades apercebendo-se do quanto já evoluíram, preparando-se ao mesmo tempo, para novas conquistas. Os esforços realizados, o progresso conseguido, vitórias e sucessos, deverão ser alvo de reconhecimento e recompensados, quer por feedback, quer, por exemplo, através do acesso a ferramentas especiais ou da atribuição de privilégios. Tal como num jogo, é necessário permitir descobrir, ultrapassar obstáculos, competir, colaborar, criar, ou comunicar, para que as experiências de aprendizagem possam ter significado e ser gratificantes.

A seleção adequada dos elementos de jogo a utilizar num ambiente de aprendizagem e a sua correta articulação permite criar e dinamizar ambientes facilitadores da aquisição de novos conhecimentos, que estimulam e dão aos aprendentes autonomia e controlo sobre a sua aprendizagem.

Com a gamificação, tira-se partido dos desenvolvimentos das tecnologias de informação e comunicação, criando um paradigma que coloca os aprendentes no centro do desenvolvimento dos ambientes de aprendizagem, e confere-lhes o poder de transformarem a informação em conhecimento, desenvolverem os skills e competências de que necessitam para fazer face aos desafios da Indústria 4.0, e produzirem novo conhecimento.

Por: Maria Luísa Corbal e Etelberto Costa


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