Sobre o artigo Econometria da educação de Nuno Crato,(Expresso Primeiro Caderno, 2010-09-25. Page 22) artur f. silva escreveu

Tese de partida:
Os investigadores verificaram que as escolas em que mais tinha aumentado o uso da Internet foram aquelas em que os resultados escolares mais diminuíram.

Artur, argumenta:
- o primeiro é que contém uma crítica radical aos que acreditam que apenas com "Planos Tecnológicos" (dar Magalhães aos alunos, criar mais ligações em banda larga, etc) se melhora a educação. Os estudos provam que isso, só por si, não melhora e pode mesmo prejudicar. O problema é pois de como "desenhar contextos educativos" usando as tecnologias e não apenas pô-las ao dispor e esperar que tenham bons resultados.
- o estudo confirma aliás muitos outros sobre o uso de tecnologia por empresas e (e principalmente) por organismos públicos, em que se sabe, há muito tempo, que grandes gastos em TIs não produzem só por si melhorias de produtividade e podem mesmo piorar o sistema global. Isso é claro nas informatizações departamentais, que não tenham em conta as correctas arquitecturas trans-departamentais dos SI, quer nas empresas, quer na AP.
- no caso específico dos interesses deste grupo, o mesmo pode ser dito de quem pensa que com mais e-learning (mesmo que feito segundo um modelo caduco de ensino de "impart of knowledge" - e a que há muito defendo que se devia chamar e-teaching e não e-learning) se conseguem bons resultados, o que não é verdade. Mais importante que o ter ou não e-learning, e de ter ou não conteúdos disponíveis, é ter ou não os contextos de aprendizagem adequados, um correcto "design" desses contextos e a utilização de métodos adequados (e não directivos) de "faciltação" (é neste último ponto que penso que a Metodologia OST pode ter um importante papel a desempenhar).
- finalmente, e relacionado com o anterior, também não basta falar de "aprendizagem ao longo da vida" (de que se fala desde o estudo da UNESCO dos anos 60 sobre "A Educação do Futuro") é necessário criar os contextos e a mudança de paradigma sobre a aprendizagem (e a vida) nas pessoas e nos países. Aliás o livro da UNESCO referido e o "Relatório Faure", que dele resultou, contém ensinamentos que ainda hoje seriam úteis, pois acabaram esquecidos. E, mais uma vez, a adequada facilitação dessas aprendizagens ao longo da vida é crucial.
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Econometria da educação - Nuno Crato


Uma das descobertas mais surpreendentes dos modernos estudos sociais quantitativos é a “não existência de uma relação sistemática nem de relações fortes entre os gastos da escola e o desempenho dos estudantes”. A frase é de Erik Hanushek, um dos principais fundadores da chamada “economia da educação”, uma área académica que recorre a métodos estatísticos e a conceitos e modelos de economia para estudar o ensino.
A descoberta é surpreendente e perturbante, pois uma das premissas habituais dos responsáveis educativos é a de que, colocando mais meios à disposição da escola ­ por exemplo, computadores ­ ela educará melhor os seus alunos. Mas não é nem surpreendente nem perturbante para quem nela trabalha. Claro que há sempre recursos que faltam, e que é importante, por exemplo, melhorar o acesso às modernas tecnologias. Mas o essencial é a formação dos professores, os pais, a boa estruturação e a exigência dos programas, a qualidade dos manuais, o rigor da avaliação e outros fatores da atividade letiva.
Recentemente, como já aqui referimos, um grupo de investigadores da Universidade Duke, na Carolina do Norte (www. nber.org/papers/w16078.pdf), analisou uma amostra gigantesca, de 150 mil estudantes, seguidos ao longo de cinco anos, concluindo que os jovens não melhoram os seus conhecimentos pelo simples uso de computador pessoal. Os rapazes têm mesmo algum retrocesso escolar, um retrocesso modesto, mas estatisticamente significativo.
Mais recentemente ainda, investigadores do Instituto Superior Técnico e da Universidade de Carnegie Mellon estudaram os resultados da introdução de banda larga nas escolas portuguesas. Analisaram mais de 900 escolas entre os anos 2005 e 2009 e registaram as classificações dos alunos no 9º ano de escolaridade. Construíram um modelo de “função de produção” com base nas “primeiras diferenças”, de onde extraíram as suas conclusões.
Uma função de produção é uma função matemática que relaciona os resultados com os recursos e que pode ser estimada com instrumentos estatísticos estudados em econometria. A equação que os investigadores utilizaram não é linear e os interessados poderão analisá-la em papers.ssrn.com/sol3/papers. cfm?abstract_id=1636584. O método das “primeiras diferenças”, por seu turno, é a consideração dos incrementos em vez dos valores originais. Ou seja, em vez de comparar as notas com o uso da Internet, compara-se o aumento ou a diminuição das notas com o aumento ou a diminuição do uso da Internet ao longo dos anos. Tenta-se assim isolar os fatores em estudo, eliminando a influência de condicionantes perturbadoras, como a qualidade das escolas ou os rendimentos das famílias.
O que os investigadores verificaram foi que as escolas em que mais tinha aumentado o uso da Internet foram aquelas em que os resultados escolares mais diminuíram. Notaram ainda uma tendência, embora menos evidente, para que os resultados tivessem piorado mais nas escolas em que o acesso à Internet foi, possivelmente, menos bem enquadrado.
Os resultados são provisórios, limitados a uma série curta, que apenas mede um primeiro efeito, e sujeitos à crítica, como tudo em ciência. Mas é encorajador que os temas de educação sejam estudados com este rigor quantitativo. Hanushek, Daniele Checchi, William Schmidt e outros grandes nomes da economia e econometria da educação estarão em Portugal em janeiro (cemapre.iseg.utl.pt/events/1e3). Será interessante ver como esta área está desenvolvida entre nós e que resultados serão apresentados.

Comments

  1. Muito interessante!

    E um excelente tópico para discussão. Algo que, empiricamente, eu já suspeitava.
    A propósito dos “meios ao dispor do aluno” e respectivas “condições de trabalho” gostaria de, eventualmente, ver este tópico articulado com o conceito “The hole in the Wall” do Sugata Mitra, aqui apresentado pela Veronique, especialmente quando ele nos informa que a relação aluno/máquina nunca deve ser 1:1 mas 4:1, que é, basicamente, o oposto da intenção que presidiu ao Magalhães.
    O que é que psicólogos e pedagogos dirão a isto, como o explicam. Eu tenho algumas ideias mas receio que sejam demasiado reaccionárias
    Cumprimentos
    Mário Teixeira

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  2. Viva,

    No que diz mais respeito às necessárias mudanças de paradigma no ensino/aprendizagem com o digital e para os mais novos (6-20's), gosto bastante das ideias de Marc Prensky, que pegando numa série de boas práticas (project-based, learning-by-doing, etc), "rebaptizou"-as e globalmente apelidou o conjunto de "Partnering Pedagogy".

    http://www.marcprensky.com/

    Achei interessante, embora nada de radicalmente novo.

    Cumprimentos,

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